Compartilhando Conhecimentos

Este blog tem por objetivo, compartilhar a minha jornada na Uneb principalmente no que diz respeito à disciplina de Prática Pedagógica I.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Meu 1º Artigo Apresentado no Seminário Interdisciplinar de Pesquisa XII

 
Luxúria e sexualidade na obra de João Ubaldo Ribeiro, “A Casa dos Budas Ditosos”

   Janara Feliciana de Araújo[1]
Taís da Silva Fernandes[2]
Joabson Lima Figueiredo[3]

“Sexo é comunicação, é linguagem, é diálogo intersubjetivo, é o reconhecimento do outro, é alteridade. É palavra (sinal) que diz verdade ou mentira, amor ou apropriação do corpo, dominação e apropriação do outro ou doação mútua. A sexualidade revela o homem como desejo do outro, criando a alegria de viver. E a sexualidade não existe porque o ser humano possui órgãos genitais. Ele existe porque o ser humano é um ser sexuado como um todo, tanto corpórea como psiquicamente. A sexualidade é uma atmosfera dentro da qual os seres humanos vivem e, por isso, possuem órgãos genitais. Nesse sentido ela é uma das maneiras através da qual o ser humano se expressa, como ser racional consciente, livre e corpóreo. Mas, ela revela sobretudo a afetividade humana, mundo onde o ser humano se realiza ou se frustra enquanto tal. Ela se situa na esfera do amor que é sempre uma esfera sexuada.[4]

Resumo: Este artigo permite refletir sobre os aspectos socioculturais da sexualidade e de que forma eles influenciam o pensamento ideológico ocidental. As ideias do Liberalismo e Conservadorismo Sexual que serão abordadas aqui permitirão fazer uma analise comportamental acerca dos modos sexuais do povo ocidental. Utilizaremos neste trabalho os pensamentos teóricos de João Ubaldo Ribeiro retirados da obra: “A Casa dos Budas Ditosos”, de maneira a levar-nos a discussão de caráter moral, religioso e sociocultural.

Palavras-chave: Luxúria, Sexualidade, Liberalismo sexual, Conservadorismo e Preconceito.

 Introdução

A literatura como toda expressão artística tem o poder de representar a realidade, bem como os costumes e ideais de um povo. Não fugindo a regra, a literatura erótica surge como gênero que tem por característica fazer provocações e sátiras sobre as concepções de sexo no imaginário ocidental, tema este que é camuflado e rejeitado pela sociedade por ser considerado um tabu.

Discutir ou mesmo publicar algo sobre sexo, requer muito mais que pesquisa e boa vontade, é estar aberto a criticas e à discriminação. Visto que o tema é bastante delicado por envolver sentimentos atrelados a moral, a religiosidade e ao senso comum das pessoas, portanto se faz necessário desmascarar e investigar alguns dos conceitos consagrados e idealizados pela sociedade. Embora este tema seja hoje emergente é preciso quebrar alguns conceitos e firir a censura indireta que existe em torno deste assunto. 

Sabe-se que o tabu, em relação ao sexo, está condicionado à presença da religiosidade na vida das pessoas, por esse viés a sexualidade passou a ser vista sob a ótica da fé e da moral religiosa. Considerado como pecado grave para os Dogmas Católicos, o sexo ao ser praticado antes do casamento, por via do adultério ou apenas pelo prazer genital é tido como algo errado, que desagrada a Deus e infringe os seus mandamentos, e como cerca de 80% da população brasileira, segundo o senso 2000 é predominantemente Católica Romana, nada menos compreensível que ela tenha como eixo norteador os valores desta religião. Lembrando que historicamente a religião católica exerce influência sobre os costumes de todo ocidente.

Ao tentar esclarecer os motivos pelos quais o sexo é considerado um tabu e o porquê que determinadas práticas são excluídas e ate mesmo repudiadas pela sociedade, se faz necessário que o conceito de sexualidade seja compreendido com afinco.  A sexualidade muitas vezes é compreendida pelo viés do reducionismo, o qual reduz a sexualidade a uma única dimensão ou função, seja ela a biológica quando diz respeito à condição física que proporciona a reprodução humana, a psicológica quando se refere ao cérebro como órgão que comanda toda atividade e comportamento sexual ou como fenômeno sócio-cultural que é a forma pela qual se expressa socialmente às noções de masculinidade e feminilidade de uma determinada sociedade.

Logo este artigo nos induz a uma reflexão acerca da origem desses valores consagrados pela sociedade, explorando os aspectos histórico-sociais para entender o porquê que o sexo é considerado um tabu e o porquê que a personagem faz um discurso tão liberal e ofensivo quanto a este assunto. 

2.  A obra 

A Casa dos Budas Ditosos é um romance de João Ubaldo Ribeiro, publicado em abril de 1999, pela editora Objetiva Ltda. Tendo um cunho comercial, por tratar-se de um tema que desperta curiosidade e polêmica, a obra foi escrita sob encomenda, para o lançamento da serie plenos pecados, atribuindo a Ubaldo a responsabilidade de escrever sobre o pecado da luxúria. 

Ao ser noticiado, que o autor estaria escrevendo sobre o tema, dizem que o mesmo foi surpreendido com os possíveis originais de A Casa dos Budas Ditosos em sua portaria. Será mesmo este um acontecimento real? Ou tudo não passa de uma estratégia do autor, para manter um clima de mistério e assim persuadir o leitor?

O livro traz a história de CLB, uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro, que em toda a sua vida experimentou as infinitas possibilidades do sexo. Esta personagem que também é narradora relata que decidiu gravar suas aventuras sexuais através de fitas de áudio, sendo esta, segundo ela, a maneira mais fácil de falar de sexo, passando a Ubaldo a tarefa de convertê-las para a escrita, de forma que ao assumir a autoria da obra, este preserve sua integridade.

Trazendo uma linguagem não padrão, a obra aproxima-se da oralidade, não só através do recurso da pontuação, mas também com o uso de expressões que não são comumente desenvolvidas na escrita, por exemplo:
Tire isso da gravação. Alias, não, depois você tira tudo da gravação, a gravação inicial só começa quando eu disser. Não tire nada agora. Deixa que eu tiro, quando você passar para o papel. É melhor, vamos deixar fluir, depois eu faço a triagem, boto ordem etc. Calma, calma. Não sei nem por que este... Como é o nome disto, disto que nós estamos produzindo? Vamos dizer, um depoimento sócio-histórico-lítero-pornô, ha-ha. [5]

Embora a veracidade da obra não possa ser comprovada, fica evidente que inicialmente ela já trás através da escrita uma abordagem diferenciada sobre como socialmente se escreve sobre sexo, ou seja, fala-se sempre através de eufemismos e não com a linguagem que realmente é exercida durante o ato sexual.

Decidi fazer este depoimento inicialmente de forma oral, em vez de escrita, pela razão principal de que é impossível escrever sobre sexo, pelo menos em português, sem parecer recém-saído de uma sinuca no baixo meretrício ou então escrever “vulva”, “vagina”, “gruta do prazer”, “sexo túmido” e” penetrou-a bruscamente”. Falando, fica mais natural, não sei bem por que.[6]

Logo ao se escrever, valorizando os aspectos da oralidade e da vulgaridade da língua falada, o livro torna-se ambíguo de forma que as noções de erótico e pornográfico caminham ora juntas, ora separadas. 

3. A luxúria em contradição com a moral religiosa

A Casa dos Budas Ditosos é um romance pelo qual nos remete a uma gama de reflexões relacionada à compreensão da sexualidade pela nossa sociedade. A obra trata-se de uma historia fictícia, cuja personagem é uma mulher que relata suas tramas e descobertas sexuais ao longo da sua vida. Sendo esta uma personagem-narradora, ela expõe claramente a sua revolta diante dos padrões comuns atrelados ao comportamento sexual que a sociedade se submete.

A luxúria é apresentada pela personagem com um sentido contrário ao da Doutrina Católica, passando da noção de pecado para a de uma virtude.

Na verdade, minha vida tem apenas um denominador comum, que é o fato de eu tê-la dedicado basicamente à satisfação saudável da minha luxúria. [7]

Embora a mesma discorde de alguns dos Dogmas Católicos, ela afirma que essa é a sua religião base e que apesar de agir contraditoriamente a ela, nunca deixou de acreditar.

Não, eu não queria reencarnação, acho que não posso compreender como, continuo católica, do jeito que fui criada. E você veja, sempre honrei Seu Santo Nome, embora nunca tenha aceitado o magistério da Igreja. E nunca blasfemei, jamais saiu da minha boca uma blasfêmia, uma queixa contra a Ele, só louvor. [8]

O pecado da luxúria é o alicerce para a discussão da influência dos valores e crenças religiosos no comportamento sexual da nossa sociedade. No decorrer das paginas o leitor encontrará ironias e sátiras referentes à ideia de pecado, culpa e pudor disseminado historicamente pela Igreja, ao afirmar a necessidade do individuo cristão a seguir a moral, o caráter e conduta defendida pela religião. Numa delas a personagem-narrador afirma o quanto a sociedade foi vitima desses dogmas e o quanto já se sofreu por eles.

Todo mundo sabe de gente que se castrou e muitos que passaram as vidas como se seus órgãos sexuais houvessem sido criados apenas para levá-los à tentação e ao inferno. [9]

A moral religiosa é questionada através das provocações em referência à fidelidade cristã para com os dogmas religiosos, não só pelos fiéis, mas também por todo o clero. 

(...) Tiramos até fotos de uma freira, prima de Mike e portadora de uma cara de santarrona exemplar, mas que depois se revelou uma dessas freiras medievais de coleções fesceninas francesas de antigamente e adorava suruba, ou então transar comigo, transávamos  praticamente todas as vezes em que víamos. E arrumou dois padres para a turma, um veado e outro homem de todas as armas, grande Father Pat Mulligan, que topava qualquer coisa e trocava  com Fernando numa boa, eu não sei o que era mais lindo, se Fernando enrabando ele, ou ele enrabando Fernando, as vezes de quatro, muitas vezes de frente, que era a minha posição favorita para eles, o pau entra mais dramaticamente, eles se encaram, é muito bonito mesmo um das coisas mais sensuais e excitantes que eu conheço.*

A questão da sexualidade é explorada dialogando com a moral religiosa e o “pudor” consagrado pela sociedade e sua cultura. Em todo o tempo a personagem procura entender o porquê que determinadas práticas sexuais são condenadas pela sociedade cristã já que essas práticas são tão antigas e por que não dizer comuns. Nesse trecho a personagem discute a origem do termo e a pratica do onanismo:

(...) O homem não pode gozar fora, não pode cometer o pecado de ONAN, que, como você sabe, não foi se masturbar, mas ejacular no chão, em vez de emprenhar devidamente sua cunhada viúva, se não me engano era cunhada viúva, ou outra parenta em situação semelhante. Está no Velho Testamento, onde, aliás, como eu já disse, então muitas outras coisas habitualmente denunciadas como reprováveis, que os padres e pastores fingem que não vêem. Os padres, em suas bíblias, disfarçam as referências de Salomão com notas de pé de página, distorções de sentido e trocas de palavras. É possível que eu tenha alguma fixação mórbida nisso, agora talvez esteja notando indícios; curioso, nunca tinha me dado conta. O fato é que amantes, concubinas e por aí vai são bastante encontradiças no Velho Testamento, todo mundo sabe disso e continua com pregações santimoniais a que até hoje não me acostumei. É capaz dessa história de onanismo querendo dizer masturbação haver sido inventada por eles, para não terem que admitir as relações hoje espúrias, que a tradição relatada mostra. [10]

A prática do coito interrompido é discutida tendo por viés uma passagem da Bíblia Sagrada que se encontra no Livro de Gênesis, Cap. 38, vs. 8-10.  Na qual se relata a historia de Onã este que teria que honrar a família com a Lei do Levirato, tendo que desposar a viúva de seu irmão mais velho e dá-lhe um filho que levaria o nome e a herança de primogênito, se não viesse este filho, ele que teria o direito à herança. Mais ele desobedeceu e derramou o seu sêmen na terra, não dando a descendência ao nome do seu irmão o que desagradou à Deus e por isso foi castigado a morte.

O Levirato era um costume do Velho Testamento, deveria ter sido obedecido para dar continuidade a família. Mas o que a obra quer destacar é a existência dessa pratica desde a antiguidade, e a presença dela no livro sagrado. Logo a obra questiona qual seja o real motivo para se definir o pecado, se é a desobediência à Lei do Levirato ou à prática sexual.

A obra discute a influência da religião no comportamento das pessoas na nossa cultura, mas muitos outros estudiosos também procuraram entender esse fenômeno. Nietsche (2000), por exemplo, critica esse estado de submissão, e a noção de certo ou errado que a religião nos impôs. Diz ele que a moral, “imortalizou a prática religiosa na vida cotidiana, impôs a noção de culpa ao homem que a transgredisse e determinou as relações comerciais e afetivas através dos castigos.” Logo essa visão passou a ser seguida por uma questão de obediência a quem possuía o poder, e por isso o medo, ou melhor, o temor a Deus, foi motivo de concordância com essa moral disseminada pelos sacerdotes e os demais representantes da divindade.

Já para Ana Cláudia Bortolozzi Maia, professora de sexualidade no Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da UNESP, comenta que a moral em si pode não ser repressiva na medida em que as pessoas tomam as regras como norteadoras de sua vida e conduta, porém, é muito comum as pessoas seguirem um padrão moral que "paira no ar", sem, contudo, terem convicção e reflexão daquilo que está sendo imposto socialmente. E é aí que aparecem as culpas, as cobranças, os sofrimentos.

4. As práticas sexuais

A obra trata com estrema naturalidade os temas mais polêmicos a respeito do sexo, chocando o leitor com sua crueza e espontaneidade aos quais os fatos são narrados. Através do relato da personagem, o texto faz toda uma critica em relação ao passado de opressão e repressão da sexualidade humana. Negando a mulher o direito de exercer sua sexualidade, sendo obrigada a submeter-se a padrões de conduta, no qual a sua honra e integridade era avaliada segundo a preservação de sua virgindade até o casamento. E negando também ao homem o direito de expor sua fragilidade e insegurança diante de diversas situações, pelo fato de estar sendo obrigado a sustentar a imagem de homem forte, de macho reprodutor, e de possuidor de poder que a sociedade lhe impôs. 

Embora a sexualidade seja tema norteador de todo o texto, o que realmente é discutido é o preconceito contra o que se é praticado entre quatro paredes, ou seja, ao sexo lascivo, carnal e transgressor condenado pela sociedade. Esta mesma sociedade que influenciada sob os valores da religião, inibiu ao individuo a liberdade de escolha de seus prazeres. Instituindo algumas praticas sexuais como normais ou não segundo as convenções que lhes parecem justas e corretas.

O incesto, a pedofilia, zoofilia, homossexualismo, poligamia e o estupro são temas presentes na obra, embora sendo estas, praticas condenadas e repudiadas pela sociedade, o texto trás através da personagem uma visão de normalidade que vai de encontro a todas as convenções sociais consagradas.

Incesto era normal no Egito antigo, Juno era irmã e mulher de Júpiter, todo mundo comia todo mundo, é natural, artificial é a noção de incesto como um mal em si, não tem nada de intrinsecamente mau no incesto, antes muito pelo contrario, é uma força da Natureza, é natural! Não é obrigatório, mas é natural. Acho burro ou mentiroso quem se escandaliza com eu ter comido meu irmão e meu tio, para não falar em primos, cunhados e quejandos. [11]

Quanto ao homossexualismo a personagem afirma que esta é uma pratica comum e que ninguém nasce com um papel sexual fixo. 

Excetuando casos graves de doença mental, todas as mulheres gostam de mulher também, em graus variados ou até especializados, do mesmo jeito que todo homem gosta de homem, faz parte da constituição de nós todos, ninguém nasceu com papel sexual rígido, todo mundo é tudo em maior e menor grau, o resto é medo de fantasmas ridículos e absurdos, que nunca sustentaram nas pernocas de névoa. [12]

Embora a personagem não tenha praticado a zoofilia, ela cita em uma passagem esse tema.

Outro dia, numa dessas salas de bate-papo de sacanagem na internet que eu frequento, um rapaz estava procurando um cachorro grande e manso, que pudesse enrabá-lo. Permitia que os donos assistissem e até fotografassem. E dizia que nada superava ser enrabado por um cachorro. [13]

O sexo de acordo com a concepção liberal da personagem deve ser uma pratica de amizade, na qual o individuo tem a liberdade de apaixonar-se por quem quiser e por quantos quiser, sem culpas nem remorsos.

Não se pode estar apaixonado por duas pessoas ao mesmo tempo, meu Deus, quanta gente morreu e morre todos os dias por causa desse dogma babaca, que é tão arraigado que a pessoa, o homem e, principalmente mulher, que está ou é apaixonada por dois ou três entra em conflitos cavernosíssimos, se remoí de culpa, se acha um degenerado, não confessa o que sente nem as paredes, impõe-se falsíssemos dilemas, se tortura, é uma situação infernal e cancerígena, todo mundo lutando estupidamente para ser quixotes e dulcinéas. É o atraso, o atraso![14]

Através da abordagem de diversas manifestações sexuais, afirmadas e mencionadas no texto, podemos afirmar que esta visão é totalmente influenciada pelos valores da sociedade moderna, na qual tem como base a Revolução Sexual, sendo esta uma consequência da Revolução Industrial, no qual através do processo de globalização, a valorização do ato de produzir se deslocou para o ato de consumir. Logo, uma família que gere uma prole numerosa e qualificada tornou-se desnecessária para os interesses da nova sociedade constituinte.

Para o autor de História da Sexualidade (2010), o americano Peter Stearns, há dois fatores que permitiram essa rápida liberação sexual nos países ocidentais. O primeiro é a popularização do controle de natalidade. Por motivos econômicos, as famílias começaram a reduzir o número de filhos. Os métodos anticoncepcionais  também melhoraram, permitindo que as pessoas fizessem sexo sem se preocupar com uma possível gravidez. O segundo fator foi a crescente exposição pública da sexualidade – nas artes, na moda, nos meios de comunicação e na vida social. Como resultado, o sexo prazeroso tornou-se mais valorizado do que o sexo apenas para reprodução.

A personagem comenta os métodos utilizados nos seu tempo a fim de se prevenir contra gravidez, já que não havia métodos que pudessem prevenir contra as doenças sexualmente transmissíveis.

Não, nada de camisinha, tinha que ser a tabela. Os outros métodos não existiam, mulher sofreu muito com isso através dos tempos, era muito cerceador da liberdade. Alguém pode acreditar que aconselhavam ate sal lá dentro, pimenta do reino, azeite de oliva, uma verdadeira salada? Havia também umas tais injeções para atraso de regras, mas eu acho que na realidade eram abortivas e, como minhas regras nunca atrasaram, nunca precisei. [15]

Embora a obra faça um discurso defendendo a liberalização sexual, ela não tem por objetivo defender a banalização do sexo, mas sim a defesa da sexualidade como veiculo saudável e digno de obtenção de satisfação e prazer. 

Resumidamente concluo esta ideia com o raciocínio da personagem ao criticar mais uma vez as convenções sociais, afirmando que,
O que estraga é o lixo na cabeça, que não é inerente ao sexo, são os penduricalhos mortíferos que arranjam para ele. [16]

5. O Liberalismo e o Conservadorismo Sexual

A sexualidade é explorada na obra apresentando os valores do Liberalismo sexual, de modo que o desejo individual seja valorizado. Tanto as ideias quanto as práticas libertárias sexuais, são refletidas na flexibilidade dos relacionamentos pessoais da personagem, contrapondo as ideias conservadoras e de conduta moralista da nossa sociedade. A defesa da liberdade do comportamento sexual predomina todo o contexto da obra e nesse cenário o pecado, seria não gozar das diversas possibilidades e experiências sexuais que a vida oferece. 

O Liberalismo Sexual defende o livre-arbítrio, de modo que torna o individuo responsável e livre para relacionar-se com outros indivíduos e com o seu próprio corpo. Dessa forma ela é compreendida pela sociedade conservadora como uma ideologia egoísta que não respeita os valores coletivos e sendo assim agride a moral e a ética social. A sexualidade é a causa principal para o choque de ideias e para a rivalidade entre essas duas ideologias. 

Para Knight (1993)[17] o liberalismo é um conjunto de crenças políticas, econômicas, religiosas, educacionais e sociais que enfatizam a liberdade do indivíduo, a discussão e tolerância de diferentes visões, a mudança social, o igualitarismo e os direitos das minorias. Por outro lado, o conservadorismo é entendido como um conjunto de crenças políticas, econômicas, religiosas, educacionais e sociais, caracterizado pela ênfase no status quo e na estabilidade social, na religião, na tradição e na moralidade.

De acordo com Ten (1999)[18], as circunstâncias sociais que fazem surgir o liberalismo derivam do conflito e da diversidade. Neste conjunto de crenças, a virtude central é a tolerância às diferenças. Para os liberais, a neutralidade da lei deve ser mantida de forma a respeitar as pessoas como seres independentes e livres, capazes de decidirem por si mesmas. Assim, indivíduos considerados "desviantes" da norma não devem ser punidos, pois seus atos não são considerados prejudiciais aos direitos de outros indivíduos, nem à segurança social. Desta forma, o argumento liberal não permite tentativas legais de penalização da diferença. Os liberais podem até compartilhar os julgamentos negativos de conservadores sobre modos particulares de conduta, sem que esses julgamentos, no entanto, sirvam de base para uma intervenção legal e social. Assim, os argumentos liberais protegem as práticas homossexuais, por exemplo, porque estes relacionamentos indicam escolhas de seres individuais.

Para Kahhale (2001)[19] a sexualidade é um processo simbólico que constitui e expressa a identidade do sujeito, a forma como este vivencia sua intimidade, tanto na dimensão pública como particular, e a forma que ele dá às normas e à ética do grupo em que está inserido. Sendo assim, é "algo que é vivido no âmbito individual, mas cuja constituição nos sujeitos é possibilitada e caracterizada pelas normas e valores sociais" (p. 184).

Para o Ministério da Educação e Cultura, (1996, p. 81) a sexualidade enquanto processo, é marcada pela história, cultura e afetividade, sendo expressa de forma singular em cada pessoa. Logo "A sexualidade é, de forma bem mais ampla, uma expressão cultural". 

De acordo com esses teóricos podemos perceber o quanto essas duas ideologias são distintas e o quanto elas influenciam na nossa realidade social. Embora o pensamento conservador seja predominante, o liberalismo não foi rejeitado. É certo que este, é defendido pelas minoras, contudo ela contribuiu bastante para que o pensamento conservador fosse mais flexível.

6. A Sexualidade pela Antropologia 

A sexualidade como um fenômeno comprovadamente natural e constituinte do ser humano, faz parte da vida social de todas as pessoas. Ao compreender que o nosso corpo é sexuado conforme as leis de funcionamento biológico percebe-se que a sexualidade é um evento tanto singular do indivíduo, pois obedecem as regras que este se permitir, quanto um evento universal, caracterizado por forças que vão alem do nosso controle por fazer parte de um instinto natural e por isso inconsciente.

Entretanto a compreensão acerca da sexualidade nos estudos na área da Antropologia diz esse tema tratar-se de uma manifestação humana, que sofre modificações quanto ao sentido, função e regulação, de acordo com os diferentes períodos históricos e contextos culturais, e não mais como uma propriedade individual, ou seja, isoladamente.

Todavia devemos considerar que em todas as culturas as formas e as influências da sexualidade são estruturantes das relações sociais, e que a partir delas o homem tece seus próprios fundamentos ideológicos. Portanto o homem como um ser social carrega consigo aspectos individuais, sociais, psíquicos e culturais que impregnam historicidade e envolvem praticas, atitudes e simbolizações. 

A sexualidade não é um fenômeno isolado de preconceitos e tabus, por séculos ela esteve e ainda está associada à ideia de pecado, de devassidão e transgressão e por isso a sociedade trás no seu campo ideológico toda uma indiferença e supertições ao discutir e trabalhar esse tema. Diante da realidade de banalidade sexual em que estamos vivendo, faz se necessário pensar numa forma saudável de se interpretar as diferenças, de analisar e respeitar a diversidade e as peculiaridades, referentes a indivíduos que ocupam um mesmo espaço e fazem parte de um mesmo contexto histórico-social, de forma que este se sinta valorizado e respeitado por sua opção sexual, por seu comportamento sexual e por sua identidade.

7. Considerações Finais           
       
A ignorância, a repressão e a censura a respeito do sexo, nos colocaram como agentes disseminadores de preconceito e tabus, muitas vezes gerando traumas e consequências graves no imaginário e na vida social do ser humano.

A literatura assim como toda expressão artística é dotada de agentes significativos representantes da nossa realidade social. Ela é um veiculo de extrema importância no combate às injustiças, aos preconceitos e as mazelas sociais. Vale salientar que através dela podemos refletir acerca dos mais diversificados temas e problemas que regem nossa vida cotidiana.
Rodolfo Franconi, diz que:

 (...) Para desempenhar o seu papel, a literatura emprega uma especifica retórica da denuncia. E dentre os vários recursos à sua disposição, mostra nítida preferência pela caricatura, à ironia, o sarcasmo, em suma, as varias modalidades da sátira, notadamente quando visa captar a adesão do leitor por meio da inteligência ou postula a demolição dos andaimes oscilantes da sociedade viciosa por meio do instrumento devastador do ridículo.[20]

Logo ao assumir a responsabilidade de falar de um tema que é considerado um tabu ate os dias atuais, Ubaldo propôs com maestria em discurso direto e em linguagem simples, os motivos pelos quais nossa sociedade sustenta determinados valores e preconceitos em relação a sua sexualidade.

Lembrando que por tratar-se de uma obra fictícia ele tem a liberdade de infringir e discordar de qualquer regra social, mesmo sendo estas consideradas crimes contra a moral e os bons costumes de nossa cultura. Fica claro também que em nenhum momento neste artigo as praticas de estupro, pedofilia e incesto são defendidas, elas apenas são apresentadas de forma que o leitor compreenda o pensamento liberal da personagem diante das mais diversificadas praticas sexuais.

8. Referências Bibliográficas

·         FRANCONI, Rodolfo A. Erotismo e poder na ficção brasileira contemporânea. São Paulo. Annablume, 1997.
·         RIBEIRO, João Ubaldo. A casa dos budas ditosos. Rio de Janeiro. 1ª ed. Objetiva, 1999.
·         Sexualidade humana. In:  http://eumat.vilabol.uol.com.br/sexualidade.htm acesso em março de 2012.

·         BÍBLIA. Português. Gênesis. Bíblia Sagrada. Tradução do Centro Católico. São Paulo: Ave Maria, 2005. Pg. 86/87.

·         RESSEL. Lúcia Beatriz.  GUALDA. Dulce Maria Rosa: A sexualidade como uma construção cultural: reflexões sobre preconceitos e mitos inerentes a um grupo de mulheres rurais. Revista da Escola de Enfermagem da USP, vol.37 no. 3 São Paulo Sept. 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342003000300010  >. Acesso em: 12 mar. 2012.


·         NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo, Martin Claret, 2000.

·         STEARNS, Peter. História da Sexualidade. Contexto, 2010.

·         GUERRA, Valeschka M. / GOUVEIA, Valdiney Veloso. Liberalismo / conservadorismo sexual: proposta de uma medida multi-fatorial .Psicol. Reflex. Crit. vol.20 no.1 Porto Alegre  2007, de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-79722007000100007&script=sci_arttext acesso em 14 mar. 2012.



[1] Graduanda em Letras 2010.2 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
janara.araujo@hotmail.com
[2] Graduanda, em Letras 2010.2 Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
zinha_fandardika@yahoo.com.br
[3] Joabson Lima FIGUEIREDO, docente.
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
[4]Sexualidade humana. In: http://eumat.vilabol.uol.com.br/sexualidade.htm acesso em março de 2012.


[5] RIBEIRO, 1999. Pg. 17
[6] RIBEIRO, 1999. Pg.19
[7] RIBEIRO, 1999. Pg. 144.
[8] RIBEIRO, 1999. Pg. 162.
[9] RIBEIRO, 1999. Pg. 144.
*RIBEIRO, 1999. Pg. 107.
[10] RIBEIRO, 1999. Pg. 31/32.

[11] RIBEIRO, 1999. Pg. 101.
[12] RIBEIRO, 1999. Pg. 117.
[13] RIBEIRO, 1999. Pg. 129.
[14] RIBEIRO, 1999. Pg. 151.
[15] RIBEIRO, 1999. Pg. 76.
[16] RIBEIRO, 1999. Pg. 115.
[17] GUERRA, Valeschka M. / GOUVEIA, Valdiney Veloso. Liberalismo / conservadorismo sexual: proposta de uma medida multi-fatorial .Psicol. Reflex. Crit. vol.20 no.1 Porto Alegre  2007.
[18] Id. Op.cit. 2007. 
[19] Id. Op.cit. 2007. 
[20] FRANCONI, 1997. Pg. 10.

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