Compartilhando Conhecimentos

Este blog tem por objetivo, compartilhar a minha jornada na Uneb principalmente no que diz respeito à disciplina de Prática Pedagógica I.

sexta-feira, 23 de março de 2012

III Semestre

O silêncio devastador que permeia as relações humanas no conto “O que a gente não disse”, Lya Luft.

Janara Feliciana Araújo[1]
Pâmella Silva de Freitas[2]
Taís da Silva Fernandes[3]
Joabson Lima Figueiredo[4]

“... as coisas não ditas haviam crescido como cogumelos venenosos nas paredes do silêncio...”.[5]
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir como o silêncio pode ser devastador e corrosivo na vida das pessoas, causando angústia, dor e sofrimento. Através do conto “O que a gente não disse” de Lya Luft, exibiremos como o bem-estar nas relações humanas é importante para se evitar tragédias, todavia como estas relações são um ambiente cheio de mistérios. Logo apresentaremos como o ser humano é fragilizado pelas perdas e como a não superação delas, pode ocasionar dramas existenciais, solidão e morte. 
Palavras-chaves: Silêncio, Omissão, Perdas, Morte, Existencialismo.




Introdução
        Lya Luft nasceu no dia 15 de setembro de 1938, em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul.  Aos onze anos, Lya já decorava poemas de Goethe e Schiller. Estudou em Porto Alegre (RS), onde se formou em Pedagogia e Letras Anglo-germânicas e iniciou sua vida literária nos anos 60, como tradutora de literaturas em alemão e inglês. 
        Lya é conhecida por sua luta contra os estereótipos sociais. Ela é totalmente critica as regras impostas pela sociedade, a ditadura da beleza, os preconceitos, a desvalorização do ser humano. Ela trata de assuntos que incomodam e afeta a vida das pessoas, tornando-as infelizes e submetidas ao modelo tradicional conservador. 
 “O que a gente não disse” é um dos vinte contos que compõem o livro “O silêncio dos amantes” de Lya Luft, publicado em 2008 pela editora Record. O livro trás vinte historias distintas e ao mesmo tempo semelhantes por se tratar de pessoas que sofrem as consequências da falta de diálogo nos seus relacionamentos. Muitas vezes este silêncio é marcado por um passado trágico ou mesmo por dilemas do dia a dia que deixamos passar despercebidos.  
A escritora gaúcha Lya Luft, é conhecida por desenvolver uma literatura extremamente intimista, trazendo em seus personagens uma infinidade de sentimentos que permeiam as relações humanas. Deste modo a obra nos induz a refletir acerca de nossas próprias ações e sentimentos.
O silêncio inserido na obra é simbólico de forma que é questionada a falta de comunicação, o resguardo dos sentimentos, as palavras vazias e desinteressadas que afastam as pessoas umas das outras. Muitos outros elementos na obra também são simbólicos, por exemplo, a morte, a árvore, os pesadelos.
Quais as causas deste silêncio? Por que ele gera tanto sofrimento na vida das pessoas? Como ele interfere nos relacionamentos? Estas serão as indagações que apresentaremos neste artigo, de forma que o leitor perceba os elementos e as pistas que o conto nos sugere.
2. Análise estrutural 
        O conto “O que a gente não disse”, de Lya Luft é narrado em primeira pessoa pela a viúva, a qual por meio das suas dúvidas e angustias nos revela o trajeto de seu marido até a morte. Através de suas lembranças e emoções tenta reconstruir os momentos vividos com o esposo, tentando observar se em alguma ocasião ele deixou transparecer a tristeza em que vivia, a ponto de chegar a se suicidar sem nada dizer. Esse conto faz uma critica social a falta de diálogo e ao silêncio predominante nas relações interpessoais e o quanto este pode causar arrependimentos e fatalidades.

O discurso é direto e a linguagem utilizada nesse conto é informal. O tempo utilizado no conto trás a técnica do flashback, visto que o conto se inicia com a esposa contando os últimos momentos com o esposo e questionando o porquê do seu suicídio, e psicológico, pois é marcado por lembranças e emoções passadas.
 O conto possui dois personagens principais o marido e a mulher. O marido é um homem aparentemente satisfeito com a vida, com o trabalho e a família, mas que na realidade sofre traumas de infância que o perseguem até a fase adulta, tornando-o uma pessoa calada, pensativo e de certa forma isolado do mundo que o cerca. E a personagem da mulher que é preocupada em cuidar dos filhos, marido e casa, que evita diálogos e sempre se mantém ocupada, não tendo tempo para observar o que acontecia com o seu esposo. 

A revelação do conto se dá quando a esposa encontra o marido morto, e só então ela começa a refletir sobre como aqueles silêncios eram carregados de sentido.
     
  Esse conto possui duas histórias que chamamos de história principal e história secundária e estas se encontram no decorrer do mesmo. A primeira é a que trata da questão dos traumas de infância vividos pelo o esposo:

Ele também falava pouco no passado, a infância numa cidadezinha do interior, o monte de irmãos, os pais morrendo cedo, ele responsável pelos menores. Haveria ali, como uma raiz venenosa, alguma coisa tão triste que o levava a querer morrer? (LUFT, 2008, p. 42 e 43).

        De acordo com essa história pensa-se que esse foi um dos grandes motivos pelo qual o levou ao suicídio, visto que devido à falta dos pais ele se viu obrigado a amadurecer mais cedo, deixando talvez de ter uma infância adequada a sua idade e tornando-o uma pessoa fechada, calado sem manter diálogos com outros. E a outra história, que é o foco do conto, são as hipóteses levantadas pela esposa com relação ao suicídio do esposo:

Palavras podiam ter salvado a sua vida? Teriam poupado a minha dor, recomposto os nossos laços deteriorados e a gente fingia que não? Mas porque a gente se conhecia tanto, nem procuramos por elas. Palavras usam máscaras de tragédia ou nariz de palhaço, abrem campos queimados até a raiz da última plantinha, como os que se estendiam entre nós. Eu achava que estava tudo bem, a vida era assim, casamentos eram assim, com sua dose de silêncio e desencanto. (LUFT, 2008, p. 42).

        A partir dessa história podemos observar o quanto à esposa se sentia culpada pala morte do marido, e questionava-se por nunca ter observado nada de anormal que a fizesse pensar na angústia que o marido vivia. Achando que talvez se ela tivesse sido mais atenta e quebrasse com os silêncios existentes entre eles o marido não teria chegado a tal ponto de infelicidade e solidão, pondo um fim em sua própria vida.

3. O alegórico e o Implícito 
Segundo Piglia (1993) o conto clássico (Poe, Quiroga) narra em primeiro plano à história um (os silêncios do marido, seguido de suicídio) e constrói em segredo a história dois (o sentimento de culpa e de impotência da esposa). A arte do contista consiste em saber cifrar a história dois nos interstícios da história um. Um relato visível esconde um relato secreto, narrado de modo elíptico e fragmentado.
Logo a historia um, ou seja, a alegórica é a do marido, com um passado marcado pela perda dos pais ainda na infância, o amadurecimento forçado pelo fato de ter que tomar conta dos seus outros irmãos. O trauma causado por essa perda resultou, num adulto introvertido, que sofre calado as suas angústias, que prefere se resguardar a demonstrar suas fraquezas. Muitas vezes este personagem é incomodado com pesadelos no meio da noite, mas este prefere nem comentar. Estes pesadelos vêm sempre com o mesmo contexto, no qual ele se sente num funil e que esta sendo sugado para baixo.
Estes pesadelos nos faz acreditar que seja um sonho premonitório no qual o personagem pressente que irá morrer, ou mesmo que a morte seja uma consequência desses sonhos que o atormentam. A psicologia explica que o trauma psicológico pressupõe uma experiência de dor e sofrimento emocional ou físico. Como experiência dolorosa que é o trauma acarreta uma exacerbação do medo, o que pode conduzir ao estresse, envolvendo mudanças físicas no cérebro e afetando o comportamento e o pensamento da pessoa, que fará de tudo para evitar reviver o evento que lhe traumatizou.
Um evento traumático envolve uma experiência ou série de experiências repetidas que afetam a maneira de o indivíduo lidar com ideias ou emoções envolvidas com aquela experiência, podendo às vezes durar semanas ou anos. Logo podemos perceber que o personagem não superou a perda de seus pais e o seu comportamento é consequência desses sentimentos mal resolvidos no seu psicológico.
O apego às lembranças da morte dos pais implica uma insegurança para lidar com outras pessoas, talvez pelo medo de perdê-las também. Segundo Bowlby (1989, p.38), o apego é "qualquer forma de comportamento que resulta em uma pessoa alcançar e manter proximidade com algum outro indivíduo, considerada mais apta para lidar com o mundo”. Portanto, o apego implica a formação de uma base segura, ou seja, de um sentimento de segurança e conforto que ocorre na presença do outro, a partir da qual o indivíduo explora o mundo. Para estabelecer essa segurança na infância, a criança faz uso de comportamentos de apego, os quais permitem obter e manter proximidade com a figura de apego, escolhida para tal.
Os comportamentos de apego se referem a um conjunto de condutas inatas que promovem a manutenção ou o estabelecimento da proximidade com sua principal figura provedora de cuidados, a mãe, na maioria das vezes, e são eliciados por sentimentos de medo, cansaço, fome ou estresse. São exemplos de comportamento de apego chorar, fazer contato visual, agarrar-se, aconchegar-se e sorrir (Bowlby, 1969/1990).
Com a perda desse laço familiar, a criança que foi o personagem do homem, cresceu sem poder demonstrar o medo e a insegurança pelo fato de ter que passar uma base segura para seus irmãos, uma responsabilidade muito alta para uma criança. Porém cada pessoa reage de forma distinta em relação às situações traumáticas superando-as ou não com facilidade.
Yárnoz, Arbiol, Plazaola e Murieta (2001) apontam que, quando a criança constrói um modelo interno da figura de apego, haverá uma tendência estável ao longo de sua vida em buscar contato e proximidade com o mundo e as pessoas que a cercam.  Isso explica o distanciamento do personagem para com a sua esposa e filhos, por não se sentir seguro a mais confiar em ninguém. O suicídio foi à saída para se livrar do sentimento de solidão, rejeição e dor.  
A história dois, a implícita é a história da mulher, figura que representa a base da família. Lya assim como Clarice Lispector critica o papel social da mulher, esta que está sempre relacionada à mulher submissa, que cuida do lar, do marido e dos filhos. A personagem desse conto está sempre muito ocupada em ter que representar todos esses papeis que deixa passar despercebido as inseguranças e os problemas do marido.
Só após a morte do marido é que a personagem vai se indagar onde é que ela falhou, se a todo tempo ela fez de tudo para manter o lar equilibrado. O titulo do conto corresponde às provocações que a mesma faz ao procurar compreender os motivos que levaram o seu marido a suicidar-se. A personagem carrega uma culpa imemorial, a culpa de ser incapaz de reter o tempo perdido, principalmente quando os filhos a questionam se ela já havia percebido algo que justificasse a atitude do pai.
A mulher criada por Lya trás consigo valores de uma sociedade injusta e machista, que submete à mulher a responsabilidade de cuidar da casa e da família, abrindo mão de suas próprias conquistas e desejos individuais. Logo esta narrativa nos leva a consciência da realidade social da mulher, permitindo que nos questionássemos sobre os papéis sociais que a mulher é dividida, numa linguagem que também subverte os padrões normais.
Zila Bernd, referindo-se a Luft afirma que: "Sua escrita é uma volta ao interior da casa, ao interior do desejo, encenando o mito do eterno retorno que é uma das principais marcas da escritura feminina".
A variante fundamental que introduziu Borges na história do conto consistiu em fazer da construção cifrada da história 2 o tema do relato. (PIGLIA, 1993) Portanto entende-se que a historia dois é que trás a critica social que o conto “O que a gente não disse” propõe discutir.
4. As simbologias 
A narrativa de Lya, muitas vezes recorre ao uso da linguagem simbólica, tornando a sua obra universal por abranger diversas significações. Logo a figura da árvore e da morte nos trazem múltiplos sentidos.
A árvore representada no conto à figura de uma mãe, disposta a acolher e a ouvir seu filho. A sombra provocada pelos galhos representa um clima acolhedor e seguro. O personagem do homem/marido vê nesta árvore um símbolo de confiança, no qual ele pode abrir seu coração, contar suas aflições e angústias, já que ele não vê na sua esposa e filhos esse clima acolhedor.
As raízes (terra) e os galhos (céu) de uma árvore representam universalmente um símbolo das relações que se estabelecem entre a Terra e o Céu. É feminina, nutridora e possui ainda uma imagem de quem abriga se assemelhando à Grande Mãe, enraizada no chão com seus galhos alcançando os céus, sendo evocativo da eternidade. Seu verde simboliza imortalidade.
Na trama a árvore trás uma intensa carga semântica, pois ela representa a mãe substituta do personagem, o ombro amigo e acolhedor para ouvir suas angustias e sofrimentos e o passaporte para talvez outra vida, quando o personagem decide tirar a sua própria vida aos pés da árvore.

A morte no drama existencial do personagem não acontece apenas no plano físico, mas também na sua incapacidade de voltar a confiar, de amar e de superar as suas perdas. Com sentidos opostos a morte por um lado representa a dificuldade do personagem em lidar com a morte e ao mesmo tempo a sua incapacidade para lidar com a vida. 
O silêncio que é discutido em toda a obra também representa a morte, pois o personagem deixa morrer em si mesmo, o desejo de viver, o desejo de partilhar seus sentimentos com sua conjugue e com a sua família. 
5. Considerações Finais 
        Neste conto de Lya Luft pode-se ver como ele trata de fatos cotidianos e psicológicos que envolvem traumas de infância, falta de diálogos, o descaso das pessoas e o quanto estes prejudicam as relações interpessoais. A autora aborda um tema muito importante nas relações sociais: a questão dos silêncios existentes nos relacionamentos, silêncios estes que podem causar fatalidades, como o que o próprio conto relata que propiciou um suicídio. Deixando os filhos e esposa perplexos com a infelicidade que o pai vivia.
        Esse conto por tratar de um tema comum na nossa sociedade prende a nossa atenção de forma que nos ajuda a fazer uma reflexão pessoal de como somos desatentos uns com os outros e não percebemos que o diálogo nos ajuda a diminuir sofrimentos e suportar dores.

6. Referências Bibliográficas
·         LUFT, Lya. O Silêncio dos Amantes. (6a ed.) Rio de Janeiro: Record, 2008. 160p.

·         BASSO, Lissia Ana; MARIN, Angela Helena. Comportamento de apego em adultos e a experiência da perda de um ente querido. Aletheia,  Canoas,  n. 32, ago.  2010 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942010000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  17  mar.  2012.


·         A semiótica da árvore. Dísponivel em: <http://www.salves.com.br/dicsimb/dicsimbolon/%C3%A1rvore.htm>. Acesso em 13 mar. 2012.



[1] Graduanda em Letras 2010.2 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
janara.araujo@hotmail.com

[2] Graduanda em Letras 2010.2 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
pamletras2010.2@hotmail.com

[3] Graduanda, em Letras 2010.2 Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
zinha_fandardika@hotmail.com

[4] Joabson Lima FIGUEIREDO, docente.
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.

[5] LUFT, 2008.

Um comentário:

  1. Cara Taís,
    Vi seu nome como seguidora de meu blogue "Literatura em vida 2". Vim até o seu e gostei muito do que vi. Por coincidência, minha tese de Doutorado, na UFRJ, foi sobre a obra de ficção de Lya Luft, à época: 2006.
    Através do endereço abaixo a Tese pode ser baixada.
    Um grande abraço e vá em frente. Espero que a literatura se torne para você o que é para minha vida: fundamental.
    http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=25651

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