Compartilhando Conhecimentos

Este blog tem por objetivo, compartilhar a minha jornada na Uneb principalmente no que diz respeito à disciplina de Prática Pedagógica I.

sexta-feira, 23 de março de 2012

III Semestre

O silêncio devastador que permeia as relações humanas no conto “O que a gente não disse”, Lya Luft.

Janara Feliciana Araújo[1]
Pâmella Silva de Freitas[2]
Taís da Silva Fernandes[3]
Joabson Lima Figueiredo[4]

“... as coisas não ditas haviam crescido como cogumelos venenosos nas paredes do silêncio...”.[5]
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir como o silêncio pode ser devastador e corrosivo na vida das pessoas, causando angústia, dor e sofrimento. Através do conto “O que a gente não disse” de Lya Luft, exibiremos como o bem-estar nas relações humanas é importante para se evitar tragédias, todavia como estas relações são um ambiente cheio de mistérios. Logo apresentaremos como o ser humano é fragilizado pelas perdas e como a não superação delas, pode ocasionar dramas existenciais, solidão e morte. 
Palavras-chaves: Silêncio, Omissão, Perdas, Morte, Existencialismo.




Introdução
        Lya Luft nasceu no dia 15 de setembro de 1938, em Santa Cruz do Sul, Rio Grande do Sul.  Aos onze anos, Lya já decorava poemas de Goethe e Schiller. Estudou em Porto Alegre (RS), onde se formou em Pedagogia e Letras Anglo-germânicas e iniciou sua vida literária nos anos 60, como tradutora de literaturas em alemão e inglês. 
        Lya é conhecida por sua luta contra os estereótipos sociais. Ela é totalmente critica as regras impostas pela sociedade, a ditadura da beleza, os preconceitos, a desvalorização do ser humano. Ela trata de assuntos que incomodam e afeta a vida das pessoas, tornando-as infelizes e submetidas ao modelo tradicional conservador. 
 “O que a gente não disse” é um dos vinte contos que compõem o livro “O silêncio dos amantes” de Lya Luft, publicado em 2008 pela editora Record. O livro trás vinte historias distintas e ao mesmo tempo semelhantes por se tratar de pessoas que sofrem as consequências da falta de diálogo nos seus relacionamentos. Muitas vezes este silêncio é marcado por um passado trágico ou mesmo por dilemas do dia a dia que deixamos passar despercebidos.  
A escritora gaúcha Lya Luft, é conhecida por desenvolver uma literatura extremamente intimista, trazendo em seus personagens uma infinidade de sentimentos que permeiam as relações humanas. Deste modo a obra nos induz a refletir acerca de nossas próprias ações e sentimentos.
O silêncio inserido na obra é simbólico de forma que é questionada a falta de comunicação, o resguardo dos sentimentos, as palavras vazias e desinteressadas que afastam as pessoas umas das outras. Muitos outros elementos na obra também são simbólicos, por exemplo, a morte, a árvore, os pesadelos.
Quais as causas deste silêncio? Por que ele gera tanto sofrimento na vida das pessoas? Como ele interfere nos relacionamentos? Estas serão as indagações que apresentaremos neste artigo, de forma que o leitor perceba os elementos e as pistas que o conto nos sugere.
2. Análise estrutural 
        O conto “O que a gente não disse”, de Lya Luft é narrado em primeira pessoa pela a viúva, a qual por meio das suas dúvidas e angustias nos revela o trajeto de seu marido até a morte. Através de suas lembranças e emoções tenta reconstruir os momentos vividos com o esposo, tentando observar se em alguma ocasião ele deixou transparecer a tristeza em que vivia, a ponto de chegar a se suicidar sem nada dizer. Esse conto faz uma critica social a falta de diálogo e ao silêncio predominante nas relações interpessoais e o quanto este pode causar arrependimentos e fatalidades.

O discurso é direto e a linguagem utilizada nesse conto é informal. O tempo utilizado no conto trás a técnica do flashback, visto que o conto se inicia com a esposa contando os últimos momentos com o esposo e questionando o porquê do seu suicídio, e psicológico, pois é marcado por lembranças e emoções passadas.
 O conto possui dois personagens principais o marido e a mulher. O marido é um homem aparentemente satisfeito com a vida, com o trabalho e a família, mas que na realidade sofre traumas de infância que o perseguem até a fase adulta, tornando-o uma pessoa calada, pensativo e de certa forma isolado do mundo que o cerca. E a personagem da mulher que é preocupada em cuidar dos filhos, marido e casa, que evita diálogos e sempre se mantém ocupada, não tendo tempo para observar o que acontecia com o seu esposo. 

A revelação do conto se dá quando a esposa encontra o marido morto, e só então ela começa a refletir sobre como aqueles silêncios eram carregados de sentido.
     
  Esse conto possui duas histórias que chamamos de história principal e história secundária e estas se encontram no decorrer do mesmo. A primeira é a que trata da questão dos traumas de infância vividos pelo o esposo:

Ele também falava pouco no passado, a infância numa cidadezinha do interior, o monte de irmãos, os pais morrendo cedo, ele responsável pelos menores. Haveria ali, como uma raiz venenosa, alguma coisa tão triste que o levava a querer morrer? (LUFT, 2008, p. 42 e 43).

        De acordo com essa história pensa-se que esse foi um dos grandes motivos pelo qual o levou ao suicídio, visto que devido à falta dos pais ele se viu obrigado a amadurecer mais cedo, deixando talvez de ter uma infância adequada a sua idade e tornando-o uma pessoa fechada, calado sem manter diálogos com outros. E a outra história, que é o foco do conto, são as hipóteses levantadas pela esposa com relação ao suicídio do esposo:

Palavras podiam ter salvado a sua vida? Teriam poupado a minha dor, recomposto os nossos laços deteriorados e a gente fingia que não? Mas porque a gente se conhecia tanto, nem procuramos por elas. Palavras usam máscaras de tragédia ou nariz de palhaço, abrem campos queimados até a raiz da última plantinha, como os que se estendiam entre nós. Eu achava que estava tudo bem, a vida era assim, casamentos eram assim, com sua dose de silêncio e desencanto. (LUFT, 2008, p. 42).

        A partir dessa história podemos observar o quanto à esposa se sentia culpada pala morte do marido, e questionava-se por nunca ter observado nada de anormal que a fizesse pensar na angústia que o marido vivia. Achando que talvez se ela tivesse sido mais atenta e quebrasse com os silêncios existentes entre eles o marido não teria chegado a tal ponto de infelicidade e solidão, pondo um fim em sua própria vida.

3. O alegórico e o Implícito 
Segundo Piglia (1993) o conto clássico (Poe, Quiroga) narra em primeiro plano à história um (os silêncios do marido, seguido de suicídio) e constrói em segredo a história dois (o sentimento de culpa e de impotência da esposa). A arte do contista consiste em saber cifrar a história dois nos interstícios da história um. Um relato visível esconde um relato secreto, narrado de modo elíptico e fragmentado.
Logo a historia um, ou seja, a alegórica é a do marido, com um passado marcado pela perda dos pais ainda na infância, o amadurecimento forçado pelo fato de ter que tomar conta dos seus outros irmãos. O trauma causado por essa perda resultou, num adulto introvertido, que sofre calado as suas angústias, que prefere se resguardar a demonstrar suas fraquezas. Muitas vezes este personagem é incomodado com pesadelos no meio da noite, mas este prefere nem comentar. Estes pesadelos vêm sempre com o mesmo contexto, no qual ele se sente num funil e que esta sendo sugado para baixo.
Estes pesadelos nos faz acreditar que seja um sonho premonitório no qual o personagem pressente que irá morrer, ou mesmo que a morte seja uma consequência desses sonhos que o atormentam. A psicologia explica que o trauma psicológico pressupõe uma experiência de dor e sofrimento emocional ou físico. Como experiência dolorosa que é o trauma acarreta uma exacerbação do medo, o que pode conduzir ao estresse, envolvendo mudanças físicas no cérebro e afetando o comportamento e o pensamento da pessoa, que fará de tudo para evitar reviver o evento que lhe traumatizou.
Um evento traumático envolve uma experiência ou série de experiências repetidas que afetam a maneira de o indivíduo lidar com ideias ou emoções envolvidas com aquela experiência, podendo às vezes durar semanas ou anos. Logo podemos perceber que o personagem não superou a perda de seus pais e o seu comportamento é consequência desses sentimentos mal resolvidos no seu psicológico.
O apego às lembranças da morte dos pais implica uma insegurança para lidar com outras pessoas, talvez pelo medo de perdê-las também. Segundo Bowlby (1989, p.38), o apego é "qualquer forma de comportamento que resulta em uma pessoa alcançar e manter proximidade com algum outro indivíduo, considerada mais apta para lidar com o mundo”. Portanto, o apego implica a formação de uma base segura, ou seja, de um sentimento de segurança e conforto que ocorre na presença do outro, a partir da qual o indivíduo explora o mundo. Para estabelecer essa segurança na infância, a criança faz uso de comportamentos de apego, os quais permitem obter e manter proximidade com a figura de apego, escolhida para tal.
Os comportamentos de apego se referem a um conjunto de condutas inatas que promovem a manutenção ou o estabelecimento da proximidade com sua principal figura provedora de cuidados, a mãe, na maioria das vezes, e são eliciados por sentimentos de medo, cansaço, fome ou estresse. São exemplos de comportamento de apego chorar, fazer contato visual, agarrar-se, aconchegar-se e sorrir (Bowlby, 1969/1990).
Com a perda desse laço familiar, a criança que foi o personagem do homem, cresceu sem poder demonstrar o medo e a insegurança pelo fato de ter que passar uma base segura para seus irmãos, uma responsabilidade muito alta para uma criança. Porém cada pessoa reage de forma distinta em relação às situações traumáticas superando-as ou não com facilidade.
Yárnoz, Arbiol, Plazaola e Murieta (2001) apontam que, quando a criança constrói um modelo interno da figura de apego, haverá uma tendência estável ao longo de sua vida em buscar contato e proximidade com o mundo e as pessoas que a cercam.  Isso explica o distanciamento do personagem para com a sua esposa e filhos, por não se sentir seguro a mais confiar em ninguém. O suicídio foi à saída para se livrar do sentimento de solidão, rejeição e dor.  
A história dois, a implícita é a história da mulher, figura que representa a base da família. Lya assim como Clarice Lispector critica o papel social da mulher, esta que está sempre relacionada à mulher submissa, que cuida do lar, do marido e dos filhos. A personagem desse conto está sempre muito ocupada em ter que representar todos esses papeis que deixa passar despercebido as inseguranças e os problemas do marido.
Só após a morte do marido é que a personagem vai se indagar onde é que ela falhou, se a todo tempo ela fez de tudo para manter o lar equilibrado. O titulo do conto corresponde às provocações que a mesma faz ao procurar compreender os motivos que levaram o seu marido a suicidar-se. A personagem carrega uma culpa imemorial, a culpa de ser incapaz de reter o tempo perdido, principalmente quando os filhos a questionam se ela já havia percebido algo que justificasse a atitude do pai.
A mulher criada por Lya trás consigo valores de uma sociedade injusta e machista, que submete à mulher a responsabilidade de cuidar da casa e da família, abrindo mão de suas próprias conquistas e desejos individuais. Logo esta narrativa nos leva a consciência da realidade social da mulher, permitindo que nos questionássemos sobre os papéis sociais que a mulher é dividida, numa linguagem que também subverte os padrões normais.
Zila Bernd, referindo-se a Luft afirma que: "Sua escrita é uma volta ao interior da casa, ao interior do desejo, encenando o mito do eterno retorno que é uma das principais marcas da escritura feminina".
A variante fundamental que introduziu Borges na história do conto consistiu em fazer da construção cifrada da história 2 o tema do relato. (PIGLIA, 1993) Portanto entende-se que a historia dois é que trás a critica social que o conto “O que a gente não disse” propõe discutir.
4. As simbologias 
A narrativa de Lya, muitas vezes recorre ao uso da linguagem simbólica, tornando a sua obra universal por abranger diversas significações. Logo a figura da árvore e da morte nos trazem múltiplos sentidos.
A árvore representada no conto à figura de uma mãe, disposta a acolher e a ouvir seu filho. A sombra provocada pelos galhos representa um clima acolhedor e seguro. O personagem do homem/marido vê nesta árvore um símbolo de confiança, no qual ele pode abrir seu coração, contar suas aflições e angústias, já que ele não vê na sua esposa e filhos esse clima acolhedor.
As raízes (terra) e os galhos (céu) de uma árvore representam universalmente um símbolo das relações que se estabelecem entre a Terra e o Céu. É feminina, nutridora e possui ainda uma imagem de quem abriga se assemelhando à Grande Mãe, enraizada no chão com seus galhos alcançando os céus, sendo evocativo da eternidade. Seu verde simboliza imortalidade.
Na trama a árvore trás uma intensa carga semântica, pois ela representa a mãe substituta do personagem, o ombro amigo e acolhedor para ouvir suas angustias e sofrimentos e o passaporte para talvez outra vida, quando o personagem decide tirar a sua própria vida aos pés da árvore.

A morte no drama existencial do personagem não acontece apenas no plano físico, mas também na sua incapacidade de voltar a confiar, de amar e de superar as suas perdas. Com sentidos opostos a morte por um lado representa a dificuldade do personagem em lidar com a morte e ao mesmo tempo a sua incapacidade para lidar com a vida. 
O silêncio que é discutido em toda a obra também representa a morte, pois o personagem deixa morrer em si mesmo, o desejo de viver, o desejo de partilhar seus sentimentos com sua conjugue e com a sua família. 
5. Considerações Finais 
        Neste conto de Lya Luft pode-se ver como ele trata de fatos cotidianos e psicológicos que envolvem traumas de infância, falta de diálogos, o descaso das pessoas e o quanto estes prejudicam as relações interpessoais. A autora aborda um tema muito importante nas relações sociais: a questão dos silêncios existentes nos relacionamentos, silêncios estes que podem causar fatalidades, como o que o próprio conto relata que propiciou um suicídio. Deixando os filhos e esposa perplexos com a infelicidade que o pai vivia.
        Esse conto por tratar de um tema comum na nossa sociedade prende a nossa atenção de forma que nos ajuda a fazer uma reflexão pessoal de como somos desatentos uns com os outros e não percebemos que o diálogo nos ajuda a diminuir sofrimentos e suportar dores.

6. Referências Bibliográficas
·         LUFT, Lya. O Silêncio dos Amantes. (6a ed.) Rio de Janeiro: Record, 2008. 160p.

·         BASSO, Lissia Ana; MARIN, Angela Helena. Comportamento de apego em adultos e a experiência da perda de um ente querido. Aletheia,  Canoas,  n. 32, ago.  2010 .   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-03942010000200008&lng=pt&nrm=iso>. acessos em  17  mar.  2012.


·         A semiótica da árvore. Dísponivel em: <http://www.salves.com.br/dicsimb/dicsimbolon/%C3%A1rvore.htm>. Acesso em 13 mar. 2012.



[1] Graduanda em Letras 2010.2 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
janara.araujo@hotmail.com

[2] Graduanda em Letras 2010.2 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
pamletras2010.2@hotmail.com

[3] Graduanda, em Letras 2010.2 Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
zinha_fandardika@hotmail.com

[4] Joabson Lima FIGUEIREDO, docente.
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.

[5] LUFT, 2008.

Meu 1º Artigo Apresentado no Seminário Interdisciplinar de Pesquisa XII

 
Luxúria e sexualidade na obra de João Ubaldo Ribeiro, “A Casa dos Budas Ditosos”

   Janara Feliciana de Araújo[1]
Taís da Silva Fernandes[2]
Joabson Lima Figueiredo[3]

“Sexo é comunicação, é linguagem, é diálogo intersubjetivo, é o reconhecimento do outro, é alteridade. É palavra (sinal) que diz verdade ou mentira, amor ou apropriação do corpo, dominação e apropriação do outro ou doação mútua. A sexualidade revela o homem como desejo do outro, criando a alegria de viver. E a sexualidade não existe porque o ser humano possui órgãos genitais. Ele existe porque o ser humano é um ser sexuado como um todo, tanto corpórea como psiquicamente. A sexualidade é uma atmosfera dentro da qual os seres humanos vivem e, por isso, possuem órgãos genitais. Nesse sentido ela é uma das maneiras através da qual o ser humano se expressa, como ser racional consciente, livre e corpóreo. Mas, ela revela sobretudo a afetividade humana, mundo onde o ser humano se realiza ou se frustra enquanto tal. Ela se situa na esfera do amor que é sempre uma esfera sexuada.[4]

Resumo: Este artigo permite refletir sobre os aspectos socioculturais da sexualidade e de que forma eles influenciam o pensamento ideológico ocidental. As ideias do Liberalismo e Conservadorismo Sexual que serão abordadas aqui permitirão fazer uma analise comportamental acerca dos modos sexuais do povo ocidental. Utilizaremos neste trabalho os pensamentos teóricos de João Ubaldo Ribeiro retirados da obra: “A Casa dos Budas Ditosos”, de maneira a levar-nos a discussão de caráter moral, religioso e sociocultural.

Palavras-chave: Luxúria, Sexualidade, Liberalismo sexual, Conservadorismo e Preconceito.

 Introdução

A literatura como toda expressão artística tem o poder de representar a realidade, bem como os costumes e ideais de um povo. Não fugindo a regra, a literatura erótica surge como gênero que tem por característica fazer provocações e sátiras sobre as concepções de sexo no imaginário ocidental, tema este que é camuflado e rejeitado pela sociedade por ser considerado um tabu.

Discutir ou mesmo publicar algo sobre sexo, requer muito mais que pesquisa e boa vontade, é estar aberto a criticas e à discriminação. Visto que o tema é bastante delicado por envolver sentimentos atrelados a moral, a religiosidade e ao senso comum das pessoas, portanto se faz necessário desmascarar e investigar alguns dos conceitos consagrados e idealizados pela sociedade. Embora este tema seja hoje emergente é preciso quebrar alguns conceitos e firir a censura indireta que existe em torno deste assunto. 

Sabe-se que o tabu, em relação ao sexo, está condicionado à presença da religiosidade na vida das pessoas, por esse viés a sexualidade passou a ser vista sob a ótica da fé e da moral religiosa. Considerado como pecado grave para os Dogmas Católicos, o sexo ao ser praticado antes do casamento, por via do adultério ou apenas pelo prazer genital é tido como algo errado, que desagrada a Deus e infringe os seus mandamentos, e como cerca de 80% da população brasileira, segundo o senso 2000 é predominantemente Católica Romana, nada menos compreensível que ela tenha como eixo norteador os valores desta religião. Lembrando que historicamente a religião católica exerce influência sobre os costumes de todo ocidente.

Ao tentar esclarecer os motivos pelos quais o sexo é considerado um tabu e o porquê que determinadas práticas são excluídas e ate mesmo repudiadas pela sociedade, se faz necessário que o conceito de sexualidade seja compreendido com afinco.  A sexualidade muitas vezes é compreendida pelo viés do reducionismo, o qual reduz a sexualidade a uma única dimensão ou função, seja ela a biológica quando diz respeito à condição física que proporciona a reprodução humana, a psicológica quando se refere ao cérebro como órgão que comanda toda atividade e comportamento sexual ou como fenômeno sócio-cultural que é a forma pela qual se expressa socialmente às noções de masculinidade e feminilidade de uma determinada sociedade.

Logo este artigo nos induz a uma reflexão acerca da origem desses valores consagrados pela sociedade, explorando os aspectos histórico-sociais para entender o porquê que o sexo é considerado um tabu e o porquê que a personagem faz um discurso tão liberal e ofensivo quanto a este assunto. 

2.  A obra 

A Casa dos Budas Ditosos é um romance de João Ubaldo Ribeiro, publicado em abril de 1999, pela editora Objetiva Ltda. Tendo um cunho comercial, por tratar-se de um tema que desperta curiosidade e polêmica, a obra foi escrita sob encomenda, para o lançamento da serie plenos pecados, atribuindo a Ubaldo a responsabilidade de escrever sobre o pecado da luxúria. 

Ao ser noticiado, que o autor estaria escrevendo sobre o tema, dizem que o mesmo foi surpreendido com os possíveis originais de A Casa dos Budas Ditosos em sua portaria. Será mesmo este um acontecimento real? Ou tudo não passa de uma estratégia do autor, para manter um clima de mistério e assim persuadir o leitor?

O livro traz a história de CLB, uma mulher de 68 anos, nascida na Bahia e residente no Rio de Janeiro, que em toda a sua vida experimentou as infinitas possibilidades do sexo. Esta personagem que também é narradora relata que decidiu gravar suas aventuras sexuais através de fitas de áudio, sendo esta, segundo ela, a maneira mais fácil de falar de sexo, passando a Ubaldo a tarefa de convertê-las para a escrita, de forma que ao assumir a autoria da obra, este preserve sua integridade.

Trazendo uma linguagem não padrão, a obra aproxima-se da oralidade, não só através do recurso da pontuação, mas também com o uso de expressões que não são comumente desenvolvidas na escrita, por exemplo:
Tire isso da gravação. Alias, não, depois você tira tudo da gravação, a gravação inicial só começa quando eu disser. Não tire nada agora. Deixa que eu tiro, quando você passar para o papel. É melhor, vamos deixar fluir, depois eu faço a triagem, boto ordem etc. Calma, calma. Não sei nem por que este... Como é o nome disto, disto que nós estamos produzindo? Vamos dizer, um depoimento sócio-histórico-lítero-pornô, ha-ha. [5]

Embora a veracidade da obra não possa ser comprovada, fica evidente que inicialmente ela já trás através da escrita uma abordagem diferenciada sobre como socialmente se escreve sobre sexo, ou seja, fala-se sempre através de eufemismos e não com a linguagem que realmente é exercida durante o ato sexual.

Decidi fazer este depoimento inicialmente de forma oral, em vez de escrita, pela razão principal de que é impossível escrever sobre sexo, pelo menos em português, sem parecer recém-saído de uma sinuca no baixo meretrício ou então escrever “vulva”, “vagina”, “gruta do prazer”, “sexo túmido” e” penetrou-a bruscamente”. Falando, fica mais natural, não sei bem por que.[6]

Logo ao se escrever, valorizando os aspectos da oralidade e da vulgaridade da língua falada, o livro torna-se ambíguo de forma que as noções de erótico e pornográfico caminham ora juntas, ora separadas. 

3. A luxúria em contradição com a moral religiosa

A Casa dos Budas Ditosos é um romance pelo qual nos remete a uma gama de reflexões relacionada à compreensão da sexualidade pela nossa sociedade. A obra trata-se de uma historia fictícia, cuja personagem é uma mulher que relata suas tramas e descobertas sexuais ao longo da sua vida. Sendo esta uma personagem-narradora, ela expõe claramente a sua revolta diante dos padrões comuns atrelados ao comportamento sexual que a sociedade se submete.

A luxúria é apresentada pela personagem com um sentido contrário ao da Doutrina Católica, passando da noção de pecado para a de uma virtude.

Na verdade, minha vida tem apenas um denominador comum, que é o fato de eu tê-la dedicado basicamente à satisfação saudável da minha luxúria. [7]

Embora a mesma discorde de alguns dos Dogmas Católicos, ela afirma que essa é a sua religião base e que apesar de agir contraditoriamente a ela, nunca deixou de acreditar.

Não, eu não queria reencarnação, acho que não posso compreender como, continuo católica, do jeito que fui criada. E você veja, sempre honrei Seu Santo Nome, embora nunca tenha aceitado o magistério da Igreja. E nunca blasfemei, jamais saiu da minha boca uma blasfêmia, uma queixa contra a Ele, só louvor. [8]

O pecado da luxúria é o alicerce para a discussão da influência dos valores e crenças religiosos no comportamento sexual da nossa sociedade. No decorrer das paginas o leitor encontrará ironias e sátiras referentes à ideia de pecado, culpa e pudor disseminado historicamente pela Igreja, ao afirmar a necessidade do individuo cristão a seguir a moral, o caráter e conduta defendida pela religião. Numa delas a personagem-narrador afirma o quanto a sociedade foi vitima desses dogmas e o quanto já se sofreu por eles.

Todo mundo sabe de gente que se castrou e muitos que passaram as vidas como se seus órgãos sexuais houvessem sido criados apenas para levá-los à tentação e ao inferno. [9]

A moral religiosa é questionada através das provocações em referência à fidelidade cristã para com os dogmas religiosos, não só pelos fiéis, mas também por todo o clero. 

(...) Tiramos até fotos de uma freira, prima de Mike e portadora de uma cara de santarrona exemplar, mas que depois se revelou uma dessas freiras medievais de coleções fesceninas francesas de antigamente e adorava suruba, ou então transar comigo, transávamos  praticamente todas as vezes em que víamos. E arrumou dois padres para a turma, um veado e outro homem de todas as armas, grande Father Pat Mulligan, que topava qualquer coisa e trocava  com Fernando numa boa, eu não sei o que era mais lindo, se Fernando enrabando ele, ou ele enrabando Fernando, as vezes de quatro, muitas vezes de frente, que era a minha posição favorita para eles, o pau entra mais dramaticamente, eles se encaram, é muito bonito mesmo um das coisas mais sensuais e excitantes que eu conheço.*

A questão da sexualidade é explorada dialogando com a moral religiosa e o “pudor” consagrado pela sociedade e sua cultura. Em todo o tempo a personagem procura entender o porquê que determinadas práticas sexuais são condenadas pela sociedade cristã já que essas práticas são tão antigas e por que não dizer comuns. Nesse trecho a personagem discute a origem do termo e a pratica do onanismo:

(...) O homem não pode gozar fora, não pode cometer o pecado de ONAN, que, como você sabe, não foi se masturbar, mas ejacular no chão, em vez de emprenhar devidamente sua cunhada viúva, se não me engano era cunhada viúva, ou outra parenta em situação semelhante. Está no Velho Testamento, onde, aliás, como eu já disse, então muitas outras coisas habitualmente denunciadas como reprováveis, que os padres e pastores fingem que não vêem. Os padres, em suas bíblias, disfarçam as referências de Salomão com notas de pé de página, distorções de sentido e trocas de palavras. É possível que eu tenha alguma fixação mórbida nisso, agora talvez esteja notando indícios; curioso, nunca tinha me dado conta. O fato é que amantes, concubinas e por aí vai são bastante encontradiças no Velho Testamento, todo mundo sabe disso e continua com pregações santimoniais a que até hoje não me acostumei. É capaz dessa história de onanismo querendo dizer masturbação haver sido inventada por eles, para não terem que admitir as relações hoje espúrias, que a tradição relatada mostra. [10]

A prática do coito interrompido é discutida tendo por viés uma passagem da Bíblia Sagrada que se encontra no Livro de Gênesis, Cap. 38, vs. 8-10.  Na qual se relata a historia de Onã este que teria que honrar a família com a Lei do Levirato, tendo que desposar a viúva de seu irmão mais velho e dá-lhe um filho que levaria o nome e a herança de primogênito, se não viesse este filho, ele que teria o direito à herança. Mais ele desobedeceu e derramou o seu sêmen na terra, não dando a descendência ao nome do seu irmão o que desagradou à Deus e por isso foi castigado a morte.

O Levirato era um costume do Velho Testamento, deveria ter sido obedecido para dar continuidade a família. Mas o que a obra quer destacar é a existência dessa pratica desde a antiguidade, e a presença dela no livro sagrado. Logo a obra questiona qual seja o real motivo para se definir o pecado, se é a desobediência à Lei do Levirato ou à prática sexual.

A obra discute a influência da religião no comportamento das pessoas na nossa cultura, mas muitos outros estudiosos também procuraram entender esse fenômeno. Nietsche (2000), por exemplo, critica esse estado de submissão, e a noção de certo ou errado que a religião nos impôs. Diz ele que a moral, “imortalizou a prática religiosa na vida cotidiana, impôs a noção de culpa ao homem que a transgredisse e determinou as relações comerciais e afetivas através dos castigos.” Logo essa visão passou a ser seguida por uma questão de obediência a quem possuía o poder, e por isso o medo, ou melhor, o temor a Deus, foi motivo de concordância com essa moral disseminada pelos sacerdotes e os demais representantes da divindade.

Já para Ana Cláudia Bortolozzi Maia, professora de sexualidade no Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da UNESP, comenta que a moral em si pode não ser repressiva na medida em que as pessoas tomam as regras como norteadoras de sua vida e conduta, porém, é muito comum as pessoas seguirem um padrão moral que "paira no ar", sem, contudo, terem convicção e reflexão daquilo que está sendo imposto socialmente. E é aí que aparecem as culpas, as cobranças, os sofrimentos.

4. As práticas sexuais

A obra trata com estrema naturalidade os temas mais polêmicos a respeito do sexo, chocando o leitor com sua crueza e espontaneidade aos quais os fatos são narrados. Através do relato da personagem, o texto faz toda uma critica em relação ao passado de opressão e repressão da sexualidade humana. Negando a mulher o direito de exercer sua sexualidade, sendo obrigada a submeter-se a padrões de conduta, no qual a sua honra e integridade era avaliada segundo a preservação de sua virgindade até o casamento. E negando também ao homem o direito de expor sua fragilidade e insegurança diante de diversas situações, pelo fato de estar sendo obrigado a sustentar a imagem de homem forte, de macho reprodutor, e de possuidor de poder que a sociedade lhe impôs. 

Embora a sexualidade seja tema norteador de todo o texto, o que realmente é discutido é o preconceito contra o que se é praticado entre quatro paredes, ou seja, ao sexo lascivo, carnal e transgressor condenado pela sociedade. Esta mesma sociedade que influenciada sob os valores da religião, inibiu ao individuo a liberdade de escolha de seus prazeres. Instituindo algumas praticas sexuais como normais ou não segundo as convenções que lhes parecem justas e corretas.

O incesto, a pedofilia, zoofilia, homossexualismo, poligamia e o estupro são temas presentes na obra, embora sendo estas, praticas condenadas e repudiadas pela sociedade, o texto trás através da personagem uma visão de normalidade que vai de encontro a todas as convenções sociais consagradas.

Incesto era normal no Egito antigo, Juno era irmã e mulher de Júpiter, todo mundo comia todo mundo, é natural, artificial é a noção de incesto como um mal em si, não tem nada de intrinsecamente mau no incesto, antes muito pelo contrario, é uma força da Natureza, é natural! Não é obrigatório, mas é natural. Acho burro ou mentiroso quem se escandaliza com eu ter comido meu irmão e meu tio, para não falar em primos, cunhados e quejandos. [11]

Quanto ao homossexualismo a personagem afirma que esta é uma pratica comum e que ninguém nasce com um papel sexual fixo. 

Excetuando casos graves de doença mental, todas as mulheres gostam de mulher também, em graus variados ou até especializados, do mesmo jeito que todo homem gosta de homem, faz parte da constituição de nós todos, ninguém nasceu com papel sexual rígido, todo mundo é tudo em maior e menor grau, o resto é medo de fantasmas ridículos e absurdos, que nunca sustentaram nas pernocas de névoa. [12]

Embora a personagem não tenha praticado a zoofilia, ela cita em uma passagem esse tema.

Outro dia, numa dessas salas de bate-papo de sacanagem na internet que eu frequento, um rapaz estava procurando um cachorro grande e manso, que pudesse enrabá-lo. Permitia que os donos assistissem e até fotografassem. E dizia que nada superava ser enrabado por um cachorro. [13]

O sexo de acordo com a concepção liberal da personagem deve ser uma pratica de amizade, na qual o individuo tem a liberdade de apaixonar-se por quem quiser e por quantos quiser, sem culpas nem remorsos.

Não se pode estar apaixonado por duas pessoas ao mesmo tempo, meu Deus, quanta gente morreu e morre todos os dias por causa desse dogma babaca, que é tão arraigado que a pessoa, o homem e, principalmente mulher, que está ou é apaixonada por dois ou três entra em conflitos cavernosíssimos, se remoí de culpa, se acha um degenerado, não confessa o que sente nem as paredes, impõe-se falsíssemos dilemas, se tortura, é uma situação infernal e cancerígena, todo mundo lutando estupidamente para ser quixotes e dulcinéas. É o atraso, o atraso![14]

Através da abordagem de diversas manifestações sexuais, afirmadas e mencionadas no texto, podemos afirmar que esta visão é totalmente influenciada pelos valores da sociedade moderna, na qual tem como base a Revolução Sexual, sendo esta uma consequência da Revolução Industrial, no qual através do processo de globalização, a valorização do ato de produzir se deslocou para o ato de consumir. Logo, uma família que gere uma prole numerosa e qualificada tornou-se desnecessária para os interesses da nova sociedade constituinte.

Para o autor de História da Sexualidade (2010), o americano Peter Stearns, há dois fatores que permitiram essa rápida liberação sexual nos países ocidentais. O primeiro é a popularização do controle de natalidade. Por motivos econômicos, as famílias começaram a reduzir o número de filhos. Os métodos anticoncepcionais  também melhoraram, permitindo que as pessoas fizessem sexo sem se preocupar com uma possível gravidez. O segundo fator foi a crescente exposição pública da sexualidade – nas artes, na moda, nos meios de comunicação e na vida social. Como resultado, o sexo prazeroso tornou-se mais valorizado do que o sexo apenas para reprodução.

A personagem comenta os métodos utilizados nos seu tempo a fim de se prevenir contra gravidez, já que não havia métodos que pudessem prevenir contra as doenças sexualmente transmissíveis.

Não, nada de camisinha, tinha que ser a tabela. Os outros métodos não existiam, mulher sofreu muito com isso através dos tempos, era muito cerceador da liberdade. Alguém pode acreditar que aconselhavam ate sal lá dentro, pimenta do reino, azeite de oliva, uma verdadeira salada? Havia também umas tais injeções para atraso de regras, mas eu acho que na realidade eram abortivas e, como minhas regras nunca atrasaram, nunca precisei. [15]

Embora a obra faça um discurso defendendo a liberalização sexual, ela não tem por objetivo defender a banalização do sexo, mas sim a defesa da sexualidade como veiculo saudável e digno de obtenção de satisfação e prazer. 

Resumidamente concluo esta ideia com o raciocínio da personagem ao criticar mais uma vez as convenções sociais, afirmando que,
O que estraga é o lixo na cabeça, que não é inerente ao sexo, são os penduricalhos mortíferos que arranjam para ele. [16]

5. O Liberalismo e o Conservadorismo Sexual

A sexualidade é explorada na obra apresentando os valores do Liberalismo sexual, de modo que o desejo individual seja valorizado. Tanto as ideias quanto as práticas libertárias sexuais, são refletidas na flexibilidade dos relacionamentos pessoais da personagem, contrapondo as ideias conservadoras e de conduta moralista da nossa sociedade. A defesa da liberdade do comportamento sexual predomina todo o contexto da obra e nesse cenário o pecado, seria não gozar das diversas possibilidades e experiências sexuais que a vida oferece. 

O Liberalismo Sexual defende o livre-arbítrio, de modo que torna o individuo responsável e livre para relacionar-se com outros indivíduos e com o seu próprio corpo. Dessa forma ela é compreendida pela sociedade conservadora como uma ideologia egoísta que não respeita os valores coletivos e sendo assim agride a moral e a ética social. A sexualidade é a causa principal para o choque de ideias e para a rivalidade entre essas duas ideologias. 

Para Knight (1993)[17] o liberalismo é um conjunto de crenças políticas, econômicas, religiosas, educacionais e sociais que enfatizam a liberdade do indivíduo, a discussão e tolerância de diferentes visões, a mudança social, o igualitarismo e os direitos das minorias. Por outro lado, o conservadorismo é entendido como um conjunto de crenças políticas, econômicas, religiosas, educacionais e sociais, caracterizado pela ênfase no status quo e na estabilidade social, na religião, na tradição e na moralidade.

De acordo com Ten (1999)[18], as circunstâncias sociais que fazem surgir o liberalismo derivam do conflito e da diversidade. Neste conjunto de crenças, a virtude central é a tolerância às diferenças. Para os liberais, a neutralidade da lei deve ser mantida de forma a respeitar as pessoas como seres independentes e livres, capazes de decidirem por si mesmas. Assim, indivíduos considerados "desviantes" da norma não devem ser punidos, pois seus atos não são considerados prejudiciais aos direitos de outros indivíduos, nem à segurança social. Desta forma, o argumento liberal não permite tentativas legais de penalização da diferença. Os liberais podem até compartilhar os julgamentos negativos de conservadores sobre modos particulares de conduta, sem que esses julgamentos, no entanto, sirvam de base para uma intervenção legal e social. Assim, os argumentos liberais protegem as práticas homossexuais, por exemplo, porque estes relacionamentos indicam escolhas de seres individuais.

Para Kahhale (2001)[19] a sexualidade é um processo simbólico que constitui e expressa a identidade do sujeito, a forma como este vivencia sua intimidade, tanto na dimensão pública como particular, e a forma que ele dá às normas e à ética do grupo em que está inserido. Sendo assim, é "algo que é vivido no âmbito individual, mas cuja constituição nos sujeitos é possibilitada e caracterizada pelas normas e valores sociais" (p. 184).

Para o Ministério da Educação e Cultura, (1996, p. 81) a sexualidade enquanto processo, é marcada pela história, cultura e afetividade, sendo expressa de forma singular em cada pessoa. Logo "A sexualidade é, de forma bem mais ampla, uma expressão cultural". 

De acordo com esses teóricos podemos perceber o quanto essas duas ideologias são distintas e o quanto elas influenciam na nossa realidade social. Embora o pensamento conservador seja predominante, o liberalismo não foi rejeitado. É certo que este, é defendido pelas minoras, contudo ela contribuiu bastante para que o pensamento conservador fosse mais flexível.

6. A Sexualidade pela Antropologia 

A sexualidade como um fenômeno comprovadamente natural e constituinte do ser humano, faz parte da vida social de todas as pessoas. Ao compreender que o nosso corpo é sexuado conforme as leis de funcionamento biológico percebe-se que a sexualidade é um evento tanto singular do indivíduo, pois obedecem as regras que este se permitir, quanto um evento universal, caracterizado por forças que vão alem do nosso controle por fazer parte de um instinto natural e por isso inconsciente.

Entretanto a compreensão acerca da sexualidade nos estudos na área da Antropologia diz esse tema tratar-se de uma manifestação humana, que sofre modificações quanto ao sentido, função e regulação, de acordo com os diferentes períodos históricos e contextos culturais, e não mais como uma propriedade individual, ou seja, isoladamente.

Todavia devemos considerar que em todas as culturas as formas e as influências da sexualidade são estruturantes das relações sociais, e que a partir delas o homem tece seus próprios fundamentos ideológicos. Portanto o homem como um ser social carrega consigo aspectos individuais, sociais, psíquicos e culturais que impregnam historicidade e envolvem praticas, atitudes e simbolizações. 

A sexualidade não é um fenômeno isolado de preconceitos e tabus, por séculos ela esteve e ainda está associada à ideia de pecado, de devassidão e transgressão e por isso a sociedade trás no seu campo ideológico toda uma indiferença e supertições ao discutir e trabalhar esse tema. Diante da realidade de banalidade sexual em que estamos vivendo, faz se necessário pensar numa forma saudável de se interpretar as diferenças, de analisar e respeitar a diversidade e as peculiaridades, referentes a indivíduos que ocupam um mesmo espaço e fazem parte de um mesmo contexto histórico-social, de forma que este se sinta valorizado e respeitado por sua opção sexual, por seu comportamento sexual e por sua identidade.

7. Considerações Finais           
       
A ignorância, a repressão e a censura a respeito do sexo, nos colocaram como agentes disseminadores de preconceito e tabus, muitas vezes gerando traumas e consequências graves no imaginário e na vida social do ser humano.

A literatura assim como toda expressão artística é dotada de agentes significativos representantes da nossa realidade social. Ela é um veiculo de extrema importância no combate às injustiças, aos preconceitos e as mazelas sociais. Vale salientar que através dela podemos refletir acerca dos mais diversificados temas e problemas que regem nossa vida cotidiana.
Rodolfo Franconi, diz que:

 (...) Para desempenhar o seu papel, a literatura emprega uma especifica retórica da denuncia. E dentre os vários recursos à sua disposição, mostra nítida preferência pela caricatura, à ironia, o sarcasmo, em suma, as varias modalidades da sátira, notadamente quando visa captar a adesão do leitor por meio da inteligência ou postula a demolição dos andaimes oscilantes da sociedade viciosa por meio do instrumento devastador do ridículo.[20]

Logo ao assumir a responsabilidade de falar de um tema que é considerado um tabu ate os dias atuais, Ubaldo propôs com maestria em discurso direto e em linguagem simples, os motivos pelos quais nossa sociedade sustenta determinados valores e preconceitos em relação a sua sexualidade.

Lembrando que por tratar-se de uma obra fictícia ele tem a liberdade de infringir e discordar de qualquer regra social, mesmo sendo estas consideradas crimes contra a moral e os bons costumes de nossa cultura. Fica claro também que em nenhum momento neste artigo as praticas de estupro, pedofilia e incesto são defendidas, elas apenas são apresentadas de forma que o leitor compreenda o pensamento liberal da personagem diante das mais diversificadas praticas sexuais.

8. Referências Bibliográficas

·         FRANCONI, Rodolfo A. Erotismo e poder na ficção brasileira contemporânea. São Paulo. Annablume, 1997.
·         RIBEIRO, João Ubaldo. A casa dos budas ditosos. Rio de Janeiro. 1ª ed. Objetiva, 1999.
·         Sexualidade humana. In:  http://eumat.vilabol.uol.com.br/sexualidade.htm acesso em março de 2012.

·         BÍBLIA. Português. Gênesis. Bíblia Sagrada. Tradução do Centro Católico. São Paulo: Ave Maria, 2005. Pg. 86/87.

·         RESSEL. Lúcia Beatriz.  GUALDA. Dulce Maria Rosa: A sexualidade como uma construção cultural: reflexões sobre preconceitos e mitos inerentes a um grupo de mulheres rurais. Revista da Escola de Enfermagem da USP, vol.37 no. 3 São Paulo Sept. 2003. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0080-62342003000300010  >. Acesso em: 12 mar. 2012.


·         NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo, Martin Claret, 2000.

·         STEARNS, Peter. História da Sexualidade. Contexto, 2010.

·         GUERRA, Valeschka M. / GOUVEIA, Valdiney Veloso. Liberalismo / conservadorismo sexual: proposta de uma medida multi-fatorial .Psicol. Reflex. Crit. vol.20 no.1 Porto Alegre  2007, de http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-79722007000100007&script=sci_arttext acesso em 14 mar. 2012.



[1] Graduanda em Letras 2010.2 na Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
janara.araujo@hotmail.com
[2] Graduanda, em Letras 2010.2 Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
zinha_fandardika@yahoo.com.br
[3] Joabson Lima FIGUEIREDO, docente.
Universidade do Estado da Bahia (UNEB)
Departamento de Ciências Humanas e Tecnologias – Campus XVI.
[4]Sexualidade humana. In: http://eumat.vilabol.uol.com.br/sexualidade.htm acesso em março de 2012.


[5] RIBEIRO, 1999. Pg. 17
[6] RIBEIRO, 1999. Pg.19
[7] RIBEIRO, 1999. Pg. 144.
[8] RIBEIRO, 1999. Pg. 162.
[9] RIBEIRO, 1999. Pg. 144.
*RIBEIRO, 1999. Pg. 107.
[10] RIBEIRO, 1999. Pg. 31/32.

[11] RIBEIRO, 1999. Pg. 101.
[12] RIBEIRO, 1999. Pg. 117.
[13] RIBEIRO, 1999. Pg. 129.
[14] RIBEIRO, 1999. Pg. 151.
[15] RIBEIRO, 1999. Pg. 76.
[16] RIBEIRO, 1999. Pg. 115.
[17] GUERRA, Valeschka M. / GOUVEIA, Valdiney Veloso. Liberalismo / conservadorismo sexual: proposta de uma medida multi-fatorial .Psicol. Reflex. Crit. vol.20 no.1 Porto Alegre  2007.
[18] Id. Op.cit. 2007. 
[19] Id. Op.cit. 2007. 
[20] FRANCONI, 1997. Pg. 10.